O caso da Alameda Dom Afonso Henrique – inserida numa zona classificada pela própria CML como "zona tranquila" – é paradigmático a este respeito. A Alameda encontra-se, literalmente, a paredes meias com prédios de habitação de três freguesias e, apesar disso, é local recorrente de eventos ruidosos promovidos por estas autarquias, pela CML e por organizações e associações de direito privado. O direito dos moradores ao sossego e ao descanso é sistematicamente desrespeitado e o uso de música amplificado crónico e impune. A música de um recente evento organizado no IST propagou-se bem dentro da madrugada para até aos limites da freguesia de Alvalade (a quase 2 Km de distância) e foi ouvida em praticamente todas as freguesias circundantes.

Noutras zonas da cidade, moradores - cada vez menos - resistem ao ruído imposto pelas actividades comerciais da vida nocturna, por consumos ruidosos de bebidas na via pública ao lado destes estabelecimentos e a lojas de bebidas alcoólicas que vendem por Whatsapp pela noite dentro mas de porta fechada.

Lisboa precisa de respeitar os seus habitantes e a Polícia Municipal tem que assumir frontalmente um papel claramente identificado como seu, sem se escudar em preceitos obscuros ou empurrando com a barriga o problema para a PSP que, não bastas vezes, o devolve de volta para a Polícia Municipal.  Os lisboetas precisam de saber exactamente quem lida com o seu problema e quem o vai resolver, em vez de assistirem ao "jogo do empurra" de responsabilidades entre autoridades e não se compreende porque é que todas as autorizações de ruído não estão agregadas num único site, com indicação de hora e dia, assim como a entidade que autoriza o evento.

A recentemente criada "Linha de Ruído" é um exemplo da confusão reinante, pois é apenas mais um número da Polícia Municipal, em que os agentes vão explicando que nada podem fazer face às queixas dos cidadãos, pois o ruído dos mais diversos eventos é inexplicavelmente autorizado pelas diversas autarquias.

Em particular, as autorizações especiais de ruído devem ser cuidadosamente avaliadas – e recusadas, se para tal houver motivo – e severamente fiscalizadas no próprio momento em que estão a decorrer, em vez de apenas no dia a seguir, quando o evento ruidoso já terminou e nem é possível recolher prova, aplicar coimas ou outros tipos de penalização, como a negação da autorização de futuros eventos semelhantes. A Polícia Municipal deve ter brigadas de ruído permanentes, capazes de agirem, realizar medições e intervirem a qualquer hora do dia ou noite, porque o ruído não existe apenas em horário laboral e os moradores também têm direito ao seu sossego e descanso aos fins-de-semana e feriados.

No passado dia 4 de outubro vários moradores da freguesia do Areeiro reportaram às esquadras da PSP das Olaias e do Campo Grande estarem a ouvir ruído de uma instalação musical até, pelo menos, às três da manhã. Através desses contactos a origem do mesmo parecia provir de um evento ruidoso (festival Cuca Monga) autorizado pela Junta de Freguesia de Alvalade. Questionada por email, esta negou que o evento ruidoso estivesse na origem dos relatos de som excessivo que chegaram até à Alameda Afonso Henriques. E contudo vários moradores reclamaram que não ouviam ruído de música desde as Olaias, avenida de Roma, João XXI e ruas fronteiras à Alameda Dom Afonso Henriques. Não foi mas e contudo como diria Galileu "et pur si muove"! Questionada sobre se existiria um registo centralizado de todos os eventos ruidosos que explicasse esta incerteza quanto à origem do som esta entidade nunca respondeu.

A aplicação da Lei do Ruído é crucial para os moradores da cidade de Lisboa, assim como em qualquer outra localidade e isto por uma vária ordem de razões:

1. O excesso de ruído e o ruído indesejado podem levar a uma série de problemas de saúde, tais como distúrbios do sono, aumento do stress, hipertensão arterial, problemas cardíacos e até mesmo a perda auditiva. Proteger os moradores do ruído excessivo contribui para melhorar a qualidade de vida e a saúde da população da cidade.

2. O ruído constante interfere no bem-estar geral das pessoas. Ele pode prejudicar a capacidade de concentração, de trabalho (para quem se encontra em teletrabalho), de relaxamento e comunicação, afectando negativamente os relacionamentos e a produtividade no trabalho e na escola.

3. Lisboa é uma cidade turística. O excesso de ruído pode afetar negativamente a experiência dos turistas, levando a avaliações negativas e à diminuição do turismo na cidade. Uma cidade mais tranquila é mais atraente para os turistas e pode incentivar o turismo sustentável. Se o ruído for sistematicamente produzido por turistas (p.ex. em Alojamentos Locais em prédios de habitação) isso irá reforçar o sentimento popular contra a turistificação da cidade e reduzir a conhecida e proverbial hospitalidade dos lisboetas com efeitos negativos a prazo para a sua atractabilidade como destino turístico de eleição.

4. Lisboa possui um rico património cultural, nomeadamente nos seus quatro bairros históricos. O ruído em excesso pode danificar edifícios históricos e monumentos, acelerando sua deterioração e erodindo o seu valor enquanto atracção turística.

5. O respeito pelo espaço pessoal é fundamental para a qualidade de vida em áreas urbanas densamente povoadas. A aplicação da Lei do Ruído ajuda a estabelecer limites e a garantir que todos os cidadãos tenham o direito de viver em um ambiente relativamente tranquilo e pacífico.

6. O sono é essencial para a saúde física e mental. O ruído excessivo pode perturbar o sono, levando a uma série de problemas de saúde. Garantir que as áreas residenciais são relativamente silenciosas é vital para o bem-estar da população e esse é um dos principais deveres de qualquer executivo autárquico.

7. O excesso de ruído pode levar a conflitos entre vizinhos e perturbar a harmonia social. A aplicação adequada da Lei do Ruído por parte das autoridades ajuda a manter um clima social positivo, promovendo a cooperação e a compreensão entre os residentes e as autarquias não podem ser excepção a este dever.

Não tenho dúvida de que a aplicação efetiva da Lei do Ruído em Lisboa – que não acontece – é essencial para garantir uma cidade mais saudável, agradável e habitável para todos os seus moradores e visitantes.

Rui Martins | Eleito local em Lisboa pelo PS à Assembleia de Freguesia do Areeiro (Lisboa), dirigente associativo e fundador da Iniciativa CpC: Cidadãos pela Cibersegurança

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.